Uma espera larga gravita na sala, se
expande de parede a parede embora as conversas e o arrastar de classes e
cadeiras intentem roubar-lha espaço. Nota-se um olhar vagueante, como a
percorrer toda a extensão da esperança que paira. E eis que o ar se dissipa de
rompante, causando um estrondo apenas ouvido por quem esperava, espécie de
excitação que a chegada de quem se espera provoca no espectador, Chegou o
professor, exclamou o aluno a si mesmo novamente, Chegou o professor.
Figura alta, gigantesca ao olhar do
franzino aluno de dez anos, era o imponente professor de ombros largos que um
abraço assombraria, de mãos grandes que num aperto de mão caberia o mundo.
Quando se tem pouca idade, as pessoas adultas e as coisas parecem imensas, pessoas
de estatura avantajada são gigantes olhados de baixo, a escola, um vasto
palácio com seus labirínticos corredores e salas insondáveis. Depois que se
cresce, e cresce também a visão de mundo, se percebe quão pequeno se era, tanto
num tamanho quanto noutro, para deixar-se enganar assim pelas dimensões. Mas o
professor tinha a habilidade de apequenar-se a cada abraço que estendia aos
pequeninos que se lhe abriam os braços, a cada suave aperto de mão que oferecia
aluno por aluno poucos instantes depois de adentrar à sala de aula, bem como
mais parecia um coleguinha de classe quando explicava o conteúdo no dialeto
infantil.
Professor àquela aula fê-la
inesquecível, não somente para o saudoso aluninho, a classe toda jamais a
esqueceu. A turminha ainda estava agitada, a aula era depois do recreio, e
Professor abraçou quem lhe queria abraçar, cumprimentou aos alunos um a um, estendendo-lhes
uma das enormes mãos, como de costume, mas a seguir apenas sentou-se
contemplativo, em silêncio. Seu sorriso era curto, mas profundo, misterioso,
mas revelador, mudo, mas falava tudo. Aos poucos, os alunos foram acalmando-se,
aquietando-se, deixando-se experimentar o silêncio que Professor falava. Quando
a turma toda calou-se, paralisada e ansiosa pelas primeiras palavras, o aluno
da espera larga não conteve-se e indagou Professor, Tu não vai falar nada.
Professor respondeu-lhe a ele e à turma, Mas eu já to falando desde que eu
entrei na sala, e o disse sem alterar expressão. Os alunos olharam-se, ainda
sem compreender àquelas palavras, quando Professor prosseguiu, Hoje a aula é
sobre o silêncio. O mesmo aluno da primeira pergunta, já impaciente, alegou,
Mas o silêncio não é nada. Não é não, sentenciou Professor, e propôs, Eu quero
que vocês fiquem quietinhos por cinco minutos, eu vô contar no relógio hein, e
depois a gente conversa. Os alunos, ainda muito novinhos para tal, não
conseguiam chegar ao entendimento de como aquilo viria a ser uma aula, O
professor tá loco, pensaram alguns, mas fizeram o que Professor pediu, ficaram em
silêncio, olhando para todos os lados, rindo-se sem saber do que.
Passados os cinco minutos combinados,
quando Professor fez sinal, ora veja-se, o mesmo inquieto aluno, aliviado,
perguntou em voz alta, mais por aflição de passar tanto tempo sem falar do que
por outro motivo, E agora professor. E Professor, Eu é que pergunto pra vocês,
o que vocês aprenderam. A turma ficou ainda mais desconcertada, e muitos
alegaram, Nada, né sor. Professor seguiu, emendando perguntas, Vocês tem
certeza, vocês não viram nada, vocês não ouviram nada. Uma inafastável
excitação de descoberta atingiu-lhes todos os pequeninos corações, corando-lhes
a tenra pele da cútis, e puseram-se a falar desorganizadamente, cada qual
intentando ser-se o primeiro atendido. Professor permaneceu em silêncio, à
espera do mesmo a sala de aula, até que o aluno inquieto aquietou-se e, como
num sinal disto, levantou a mão para pedir vez. Professor atendeu, Silêncio
meus queridos, ele vai falar primeiro. E o aluno disse, Eu vi os teus olhos de
cansado, professor, tu tá cansado né. Obrigado por perguntar, disse Professor,
ninguém tinha me perguntado isso hoje. O aluno entendeu que através daquele
silêncio havia pela primeira vez reparado no semblante cansado do querido
professor, e que o professor alegrava-se pela sua preocupação, com certeza este
aluno tentará reparar mais nos semblantes dos seus queridos, a fim de
adivinhar-lhes o estado. Depois, Professor passou a vez para uma menininha, que
disse, Professor, eu ouvi um carro passando e um cachorro latindo, e o som dos
dois começaram juntos, passaram juntos, e terminaram juntos, eu acho que era o
meu pai de caminhonete com o meu cachorro em cima, ele sempre vai junto com o
pai pro centro, na carroceria, com a cabecinha por cima do capô pra pegar bastante
vento, tanto vento que as orelhinhas dele ficam bem pra trás e os olhinhos
puxados, parece um japonês, hihihihi!. E Professor, sorrindo, disse, Muito bem,
querida. E assim passaram-se os minutos, fartos de exemplos de sons que
começaram-se a perceber, expressões de rostos a repararem-se, sorrisos a notarem-se,
aromas a achegarem-se ao olfato, texturas a tatearem-se às pontas dos dedinhos,
cartazes temáticos de sala de aula a saltarem-se aos olhinhos, e muitos mais
exemplos de percepção e sensibilidade suscitadas ludicamente pela atividade
silenciosa do professor.
Ao fim, Professor arrematou, Dizem que o
silêncio vale mais do que mil palavras; eu não sei se isso é verdade, mas eu sei que ele
faz a gente “abrir os olhos”.
(Danilo Kuhn)
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