segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

"Fechar os olhos"


Quando alguém passa por mim na rua e me pergunta as horas, e eu educadamente e sorridente respondo, e este alguém apenas segue seu caminho sombrio por entre os seus escuros, sem agradecer com palavra ou gesto ou expressão, eu fecho os olhos para ver a luz.
Quando alguém que me conhece me vira a cara na rua, em notória embriaguez de desdém, após alguns segundos sem chão eu fecho os olhos para retomar o caminho.
Quando alguém se diz meu amigo e me apunhala pelas costas com suas mentiras e palavras envenenadas, com seu jogo moribundo de sorrisos de plástico e abraços ocos, eu fecho os olhos para cicatrizar as feridas.
Quando alguém me serve o cálice do ódio, desejoso de compartilhá-lo, de afetar-me com seu vício, de embriagar-me de cólera para cair em sua armadilha, eu fecho os olhos para manter a sobriedade.
Quando a inveja alheia bate à porta, intentando adentrar a casa sem pedir licença e levar consigo tudo de bom que há lá dentro, a roubar-me meu trabalho e meus sonhos, eu fecho os olhos para não abrir a porta.
Quando o ciúme ameaça me consumir por dentro, acenando possibilidades improváveis, remoendo o passado acrescentando-lhe pitadas de suposições nocivas e de imagens daninhas, eu fecho os olhos para olhar o presente.
Fecho os olhos porque já os abri o suficiente para enxergar o que eu não queria ver, o que eu preferiria não saber. Fecho os olhos porque já perdi a ilusão de um mundo feito apenas de amor, amizade, companheirismo, cooperação, união, educação e outros sentimentos e atitudes boas. Porém, fecho os olhos também para manter o brilho no olhar, o pouco de encantamento que ainda me resta.
Como é bom encontrar uma pessoa extremamente agradável, ou educadíssima, ou muito culta, ou que esbanje simpatia sem ter segundas ou terceiras intenções. Mas a pequenez humana é maioria. E, como vivemos em uma democracia...

(Danilo Kuhn)


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